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Dicas
Velejando com Campeões
“6 de dezembro de 2009, dia da última etapa da Copa Mitsubishi Motors, no Yacht Club de Ilhabela (SP), e também da tradicional Regata Volta a Ilha Sir Peter Blake. Edmar Alves, do veleiro Orson, me fez o convite de participar da regata junto com outros seis tripulantes. Sabia que o mar estava agitado e com ondas acima do normal, mas aceitei a proposta. Não tinha experiência em longas regatas, e, para falar a verdade, muito pouco em curtas também.
Saímos por volta das 11h em direção à Ponta das Canas, local da largada. Estratégias e análises de vento e marés foram minuciosamente traçadas para fazermos a melhor largada possível. Com ventos entre 10 e 25 nós, largamos muito bem posicionados ao comando de Carlos Eduardo Souza e Silva, o Kalu, e Edmar. E, lá estava eu no veleiro dos campeões, pois o Orson já era campeão antecipado do circuito.
Atento a cada palavra, manobra, nó, vento e tudo que acontecia ali, absorvi e digeri as informações, juntamente com uma deliciosa torta de frango e coca-cola. Já os outros tripulantes, estavam na ‘cervejinha’ e trocavam ideias de tudo o que se pode imaginar. Sempre de bom humor, conciliado a extrema responsabilidade natural de uma competição, e Junior, nosso bordo de genoa, bebendo uma de suas poucas 10 cervejas na mão, como ele mesmo dizia.
Mas, a cada momento que passava, o mar ficava mais agitado. Com a intenção de me acalmar, valendo muito a intenção dizia Edmar: ‘Não se preocupe logo ali depois da ponta do Boi o mar fica mais calmo’. De fato ficaria, duas horas depois da ponta, e até lá ainda faltavam algumas horas.
As ondas de até 2,5 metros davam ‘frio na barriga’. O Orson balançava de um lado para o outro e em um dos momentos mais críticos do percurso, eu começava a sentir os primeiros sintomas de estar mareado, enquanto Diego ou Hamilton – e agora também Morcego – dormia escorado no cabo de guarda macebo e Kalu, que estava na cabine, no meio do surfe das ondas aparecia e sumia com a cabeça no convés, por isso carinhosamente reapelidado de Lontra.
Ainda mareado, fui informado que o melhor a se fazer naquela situação era fechar os olhos e deitar com a cabeça em cima dos cabos que serviam como um perfeito travesseiro, isso ajudaria a estabilizar os labirintos. Foi o que fiz, mas frequentemente meu descanso era interrompido para me segurar em algum canto do convés evitando maiores problemas à bordo. Lembro de abrir os olhos e ver Eduardo, o Dudu, no leme gritando de emoção ao alcançar 13 nós, surfando as ondas e disputando com os outros para ver quem alcançava a maior velocidade.
Numa dessas minhas ‘acordadas’ levantei a pedido de Edmar, para tirar a foto da Ponta do Boi. O local é conhecido como um dos pontos mais bonitos e também mais agitados da volta a Ilha.
Aos poucos melhorei e pude acompanhar já em perfeitas condições, a entrada do canal. Decidimos então fazer a entrada da curva da Ponta da Sela aproximadamente meia milha mais abertos do que o veleiro Jazz, com o qual competíamos a primeira colocação da etapa. Primeiro foi ele que praticamente estacionou com a falta de vento e logo depois nós. Ficamos os dois praticamente parados jabeando, planejando e esperando a rajada final torcendo para que ela viesse pouco antes para nós. Após alguns minutos, ela chegou, levando os dois veleiros com a mesma velocidade e como o Jazz estava mais fechado, cruzou dois minutos à nossa frente.
Sem cessar mais, o vento nos levava de volta ao YCI a uma velocidade de sete nós. Foi quando tive a oportunidade de pegar o leme e dar direção a embarcação sob os ensinamentos de Kalu e Mário, português com nome de japonês que frequentemente se atrapalhava com o vocabulário dos velejadores brasileiros.
Chegamos ao YCI, guardamos as velas e fui para a pousada descansar. Era como tivesse enfrentado uma tempestade em alto mar, e foi quase isso.
No dia seguinte, lá estávamos para receber a medalha de primeiro lugar na categoria ORC Internacional e as brincadeiras e risadas de um final de semana de muita história para contar.
Já li em muitos lugares, inclusive aqui mesmo, na matéria Os benefícios da vela para a vida, que a arte de velejar traz benefícios como liderança, companheirismo, responsabilidade, disciplina etc. Mas foi nesse final de semana que realmente pude sentir que é isso mais relevante para a união dessa tribo, além do amor pela natureza. Parabéns, tripulação do Orson!”
Depoimento e fotos: Marcio Ishihara